sábado, 25 de abril de 2009

Leiam o depoimento de Marco Antônio sobre a dissertação que analisou:

INTRODUÇÃO – um começo essencial produzido ao final
Buscando compreender a dissertação de mestrado de Lélia Negrini Diniz, deparei-me com um começo essencial, produzido ao final da elaboração do trabalho. A “introdução”, como um importante espaço onde se tem uma idéia de toda a dissertação, a autora apresenta o contexto, o argumento e a origem de sua relação com o tema de sua pesquisa.
De forma bastante linear, passei a enumerar os elementos que Lélia apresentava em sua introdução:
1- A autora resgata sua história e relação como professora de música no ensino básico e sua atuação como formadora de professoras com habilitação na educação infantil.
2- Estabelece relações entre a formação das professoras e a legislação vigente (LDBEN, RCNEI Plano Nacional de Educação, Plano Nacional de Formação dos Profissionais em educação infantil).
3- Apresenta a linguagem musical como uma das linguagens a ser oferecida no espaço escolar, e a incerteza quando à formação musical que as professoras tiveram ao longo de sua formação. A partir de suas experiências como formadora de professores, e em contato com a realidade das alunas, aponta para a necessidade de ampliação das concepções pedagógico-musicais dessas educadoras.
4- Desta forma origina-se sua pesquisa. A atenção da pesquisadora volta-se a investigar de forma sistematizada se a música estava presente nas práticas pedagógicas das professoras em atuação na rede.
6- A partir da realidade apresentada, analisa a relação entre as obrigações da legislação vigente, a formação das professoras e os recursos necessários para incluir a linguagem musical em suas práticas pedagógicas.
6- A seguir, Lélia apresenta suas inquietações:
“ (...) tinha interesse em saber até que ponto a atuação das professoras está em conformidade com as mudanças legais e com as concepções sobre o ensino de música expressas nos documentos”. (DINIZ, 2005, p.12);
Seus questionamentos:
“De que forma a música está presente nas suas práticas pedagógicas? Quais os recursos de que elas dispõem para realizar as atividades musicais? Quais as necessidades das professoras para desenvolver o ensino de música na educação infantil?” (DINIZ, 2005, p.12)
Delimita seu campo de pesquisa ao apresentar seu objetivo:
“Partindo destas questões, esta pesquisa teve como objetivo geral investigar a presença da música nas práticas pedagógicas das professoras de educação infantil. Mais especificamente, busquei mapear as atividades musicais desenvolvidas pelas professoras, identificar os recursos disponíveis nas escolas para a realização das atividades musicais, bem como, identificar as necessidades das professoras para desenvolver o ensino de música na educação infantil.” (DINIZ, 2005, p.12);
7- Ao final da introdução, a autora apresenta a estrutura de cada capítulo da dissertação e aponta perspectivas possíveis a partir dos resultados.
A importância de uma introdução bem estruturada aponta, a meu ver, para a criação do desejo de leitura e aprofundamento da temática proposta. E, ao me deparar com essa dissertação e com essa descoberta, questionei-me se utilizaria o método de pesquisa survey em minha investigação. Descobri no método uma forma de descrever, mapear e sistematizar o campo de pesquisa, categorizando e levantando temáticas possíveis para um aprofundamento qualitativo, bem como a importância da construção de um instrumento de coleta de dados seguro e fidedigno, para que não se comprometa a validade científica da pesquisa.

Canções Folclóricas Infantis

Estimados colegas

Tem circulado por todo o país a carta de uma babá brasileira, que estuda nos Estados Unidos, criticando as canções infantis do nosso folclore. Inicialmente não dei importância, mas como já recebi pelo menos quatro, resolvi escrever o que penso a respeito. Para compreender o teor da minha resposta, se você não leu a tal carta, por favor, leia! Clic

A babá (anônima) faz conclusões apressadas sobre a situação brasileira. Não sabe o que é folclore, nem compreende a complexidade dos fatos que compõem as sociedades. Seus argumentos são diretos e simples, do tipo causa e efeito e pretendem explicar a natureza do self do povo brasileiro.

“Descobri toda a origem dos problemas do Brasil” – diz ela. Segundo suas observações sobre as canções de ninar dos Estados Unidos, não haveria por lá sentimento algum que não fosse a bondade, doçura e paz. Quanta ingenuidade!

Contrapondo com a nossa “Boi da cara preta”, cita na carta o exemplo de uma canção americana:
“Boa noite, linda menina, durma bem.
Sonhos doces venham para você,
Sonhos doces por toda noite”.

Observem! Eu também posso pensar mal dessa canção americana, dizendo que ela é egoísta e que os “doces sonhos” instigam os americanos ao poder sem limites; que a letra trabalha o inconsciente da criança fazendo com que ela se outorgue o direito de impor doces sonhos a todas as crianças do planeta. Um perigo para a paz mundial!

O que é bom aos nossos olhos, pode não ser um valor para os outros. Os jornais estão cheios de notícias sobre a imposição unilateral de valores.

A babá estudante assimilou a nova pátria desdenhando nossas raízes. E sente vergonha do bovino de cara negra que poderá assustar a cândida menina que tem medo até de careta? Que distorção! A “cândida menina” que tem medo de careta é a nossa menina brasileira, a letra refere-se ao nosso folclore. A menina americana tem outros medos e, com certeza, muito próximo de suas vivências e traumas sociais. Quem dera fosse medo da cuca!

As melodias do nosso folclore infantil são belíssimas! Poucos países possuem uma extensão tão ampla de notas e uma progressão harmônica tão rica. Com contornos melódicos tão rebuscados, não é qualquer pianinho de brinquedo que pode reproduzir “Nesta rua tem um bosque”, nem “Pai Francisco entrou na roda”.

As letras das canções folclóricas retratam a cultura de um povo. São sempre dinâmicas e funcionais, cumprindo o papel de satisfazer as necessidades afetivas, intelectuais, morais, sociais ou de expressão religiosa. As crianças brincam com as canções e através delas entram no universo dos códigos sociais ― queiramos ou não!

A análise da cantiga “Atirei um Pau no Gato” é maldosa, pois omite a presença de um sentimento moral representado na figura de Dona Chica, que reprova com seu espanto; e pela ressalva mas o gato não morreu... Muito melhor sublimar pela canção do que realizar o ato concretamente. Além disso, tive a curiosidade de perguntar no hospital veterinário se baixava muito animalzinho maltratado por criança – gato , por exemplo. A resposta foi “não”, pelo contrário, muitas vezes são as crianças que mobilizam seus pais a tratarem bem os bichinhos.

Sim, estamos todos preocupados com a violência. Então, algumas escolas resolvem “imprimir” respeito ao meio ambiente e trocam a letra por não atire o pau no gato tô tô, porque ele-le-le é bonzinho-nho... Ou seja, para ensinar o respeito, desrespeitam a cultura infantil. Com certeza esses adultos não acreditam que os pequenos usufruem e produzem cultura como todos os seres humanos de todas as idades, em qualquer lugar do mundo. Há uma concepção de criança e de infância por aí, que anula a identidade das crianças, menosprezando seus medos e desprezando suas necessidades.

A criança precisa conviver com os elementos de sua cultura, a canção folclórica pode ser o grande meio de que dispõe para suportar certos fatos que vivencia. Seria muita ingenuidade modificar nossas canções para obter mudança na auto-estima dos brasileiros. Essa babá é um perigo, pessoa que pensa como ela não pode cuidar de criança, nem mesmo das crianças americanas.

Logo adiante, a babá critica outra canção brasileira. Desta vez é uma de influência francesa. Todos sabem que os franceses estiveram por aqui no século XVI e tentaram se fixar em vários pontos do país. Por sorte as crianças de outrora registraram esse fato em suas canções, marcando no folclore a memória da nossa resistência. Reparem a letra “de marré de ci”. Será que a babá ousaria dizer que os franceses têm baixa auto-estima?
Eu sou pobre, pobre, pobre,
De marré, marré, marré.
Eu sou pobre, pobre, pobre,
De marré de ci.

A criança projeta nos versos o cotidiano que vivencia, porque precisa compreender o mundo que a cerca. Não há sadismo no que faz, mas sim o exercício que lhe permite superar suas angústias. A criança é um ser inteligente, coloca a realidade tão vergonhosa da desigualdade social em versos – como critica a babá. O que passa despercebido nessa análise é que a canção também pode ser uma forma de protesto. Aliás, temos bons exemplos na história brasileira de canções utilizadas com esse propósito. Por que a babá não criticou a última frase: minhas filhas eu não dou, nem por ouro nem por prata, nem por sangue da lagarta? Pensando bem, o que se passava no período da invasão francesa que fazia com que as crianças cantassem “minhas filhas eu não dou”? Com um pouco de reflexão, a babá compreenderia que o Brasil nunca quis exportar suas filhas para terras distantes.

A referência feita ao bitu é um equívoco. Bitu não é uma pessoa, também não é o nome de criança; ninguém está ameaçando alguém com essa canção. Trata-se de uma entidade fantástica que há algum tempo atrás metia medo nas criancinhas. As crianças, em todos os países, imaginam monstros e fantasmas: em Portugal o bicho papão, na Espanha coca ou coco, no Brasil cuca, bitu, tutu marambá, bruxa e outros. As crianças dos Estados Unidos devem ter lá seus fantasmas também.

Nossa música folclórica, assim como as palavras da nossa língua, tem história e assimilação popular que lhes imprime significado. Enquanto a letra fala dos medos infantis, nós adultos oferecemos proteção e carinho na entonação característica das “cantigas de berço”, acalantos ou canções de ninar. A criança dorme tranqüila e crê que o canto afugenta o bicho papão! Os adultos também acreditam no poder mágico da música e cantam para afugentar maus espíritos, para esquecer ou lembrar de alguém. Somos seres simbólicos: música, linguagem e cultura nos separam de outros animais.

Na década de 70, cogitou-se proibir que cantássemos a canção “Marcha soldado”. Não por inspirar autoritarismo como sugere a babá, mas porque a letra fora interpretada como subversiva e antipatriótica: marcha soldado “cabeça de papel”. A idéia não vingou, felizmente!

Mas não é interessante? De um lado, a tese da babá é de que a canção “Marcha Soldado” é a destruição da liberdade, um autoritarismo disfarçado; de outro, o regime militar vê na mesma canção uma forma de protesto, uma provocação ao bem estar social e um desacato à autoridade. Uma canção servindo a dois senhores. Essa é demais!

Se ficarmos psicologizando tudo, não vamos criticar apenas as canções infantis, mas também os brinquedos de apertar que damos aos bebês, porque despertam instintos sádicos; a bola porque predispõe à violência; e a boneca porque impõe questões de gênero... não é mesmo?

Agora vejamos como nosso folclore permite a interação com valores afetivos e morais:
Sete e sete são catorze,
Com mais sete vinte e um
Tenho sete namorados
E só posso casar com um.

A tal babá lamenta que ouviu por toda a sua infância “tenho sete namorados”... quando o valor moral da canção encontra-se um pouquinho mais adiante “e só posso casar com um”. Foi uma análise parcial e tendenciosa. Provavelmente é por isso ela se questiona e grita: Desgraça! Desgraça! Como crescer e acreditar no amor e no casamento depois de ouvir essa passagem anos a fio?

Olha, nem vou defender Samba lelê, porque o mundo inteiro admira nossa música e quer saber como conseguimos “quebrar” o corpo para fazer o molejo do samba. É um jeito muito nosso, os estrangeiros não aprendem, nem com 18 lambas!

A letra da canção Cai, cai balão fala de um desejo infantil “cai aqui na minha mão”. Sem maldade, a menina quer pegar o balão, assim como também pensa que pode pegar o avião que está lá no céu. “Suicida?” Suicidas são os pensamentos depressivos dessa babá, que condena e quer aniquilar o nosso folclore.

Atacar o folclore é covardia! Não podemos fazer de conta que não temos história. Fazer-nos sentir vergonha da nossa história ― isso sim é crueldade!
Valorizar o que é nosso faz um bem enorme para auto-estima das crianças, porque possibilita a construção de sua identidade cultural. Ridicularizar o folclore, os costumes e as crenças de um pais é a estratégia ardilosa de quem deseja impor suas ideologias e suas supostas verdades. Será que a babá virou para o lado de lá?

Leia também:
Tonin, Juliana O imaginário infantil na publicidade contemporânea: a campanha da RBS "O amor é a melhor herança, cuide bem da criança" [CD-ROM]. Porto Alegre, 2004. Diss. (Mestrado em Comunicação Social) - PUCRS, Fac. de Comunicação Social
Disponível em: <http://verum.pucrs.br/ppgcom>

Leda Maffioletti ― Porto Alegre RS Brasil ―