sábado, 23 de maio de 2009



Comentário sobre a aula de 22.5


Na última sexta-feira lemos o texto de Liane Hentschke “A adequação da Teoria Espiral como teoria de desenvolvimento musical”, publicado na Revista Fundamentos da Educação Musical – ABEM, em maio de 1993. Embora seja um texto antigo, é interessante a discussão teórica que a autora faz sobre os pressupostos da Teoria Espiral de Desenvolvimento Musical de Keith Swanwick, quanto à sua característica de desenvolvimento. O conceito de desenvolvimento, bem como os critérios para que uma teoria seja considerada teoria do desenvolvimento (temporalidade, cumulatividade, direcionalidade, novo modo de organização e auto-controle) foram temas de nossas discussões.

Dando continuidade, analisamos o texto Cecília Cavaliere França, identificado à direita, sobre sua tese de doutorado, desta vez enfocando a importância da adequação do aporte teórico aos objetivos da pesquisa. A partir dos resultados de Fraça, discutimos o ponto de vista de Piaget sobre a distinção entre fazer e compreender. A discussão encaminhou-se para a noção de aprendizagem. É possível saber fazer e não saber explicar como se faz?
Voltamos ao ponto anterior: O que é desenvolvimento para você?
A idéia de desenvolvimento articula-se com nossa concepção de conhecimento. Acreditamos que o conhecimento é construído, mas como isso ocorre?
Penso que devemos voltar a esse assunto, porque há forte tendência em aceitarmos que uma criança aprende a ler música porque associa a nota na pauta à posição dos dedos na flauta. É isso mesmo? Associação ou construção?


Para alimentar nossas reflexões, estou postando hoje o texto de Márcia Elia da Mota, que apresenta uma atualização do conceito de psicologia do desenvolvimento, descrevendo sua história desde os primeiros estudos de
William Thierry Preyer (1891) até os dias atuais. Inclusive faz referência à variável tempo na concepção de desenvolvimento, conforme discutimos em aula.
O texto
Psicologia do Desenvolvimento: uma perspectiva histórica, de Márcia Elia da Mota, aborda o nascimento da psicologia do desenvolvimento (1882 -1912); a segunda fase de grande desenvolvimento e influência (1914 -1959), caracterizada pelos estudos sobre desenvolvimento da criança; a terceira fase, quando a psicologia do desenvolvimento sofre a influência da teoria behaviorista, teoria piagetiana e os conceitos da aprendizagem social (1960 -1989). A quarta fase, de 1990 aos dias atuais é marcada por novos paradigmas da psicologia do desenvolvimento, como o seu caráter interdisciplinar e a necessidade de incorporar as pesquisas desenvolvidas em diferentes contextos e a abordagem histórica. É bom saber desses fatos, pois muitos autores entram a saem da moda, sem que tenhamos consciência do contexto de suas teorias.
O que começamos a discutir em aula poderá ser retomado através da leitura indicada, principalmente porque há mudança de perspectiva no foco dos estudos e nas metodologias de pesquisa em desenvolvimento humano.

Um fato me intriga: por que razão a educação se apoia tão fortemente nas teorias do desenvolvimento?

Canções Folclóricas Infantis

Estimados colegas

Tem circulado por todo o país a carta de uma babá brasileira, que estuda nos Estados Unidos, criticando as canções infantis do nosso folclore. Inicialmente não dei importância, mas como já recebi pelo menos quatro, resolvi escrever o que penso a respeito. Para compreender o teor da minha resposta, se você não leu a tal carta, por favor, leia! Clic

A babá (anônima) faz conclusões apressadas sobre a situação brasileira. Não sabe o que é folclore, nem compreende a complexidade dos fatos que compõem as sociedades. Seus argumentos são diretos e simples, do tipo causa e efeito e pretendem explicar a natureza do self do povo brasileiro.

“Descobri toda a origem dos problemas do Brasil” – diz ela. Segundo suas observações sobre as canções de ninar dos Estados Unidos, não haveria por lá sentimento algum que não fosse a bondade, doçura e paz. Quanta ingenuidade!

Contrapondo com a nossa “Boi da cara preta”, cita na carta o exemplo de uma canção americana:
“Boa noite, linda menina, durma bem.
Sonhos doces venham para você,
Sonhos doces por toda noite”.

Observem! Eu também posso pensar mal dessa canção americana, dizendo que ela é egoísta e que os “doces sonhos” instigam os americanos ao poder sem limites; que a letra trabalha o inconsciente da criança fazendo com que ela se outorgue o direito de impor doces sonhos a todas as crianças do planeta. Um perigo para a paz mundial!

O que é bom aos nossos olhos, pode não ser um valor para os outros. Os jornais estão cheios de notícias sobre a imposição unilateral de valores.

A babá estudante assimilou a nova pátria desdenhando nossas raízes. E sente vergonha do bovino de cara negra que poderá assustar a cândida menina que tem medo até de careta? Que distorção! A “cândida menina” que tem medo de careta é a nossa menina brasileira, a letra refere-se ao nosso folclore. A menina americana tem outros medos e, com certeza, muito próximo de suas vivências e traumas sociais. Quem dera fosse medo da cuca!

As melodias do nosso folclore infantil são belíssimas! Poucos países possuem uma extensão tão ampla de notas e uma progressão harmônica tão rica. Com contornos melódicos tão rebuscados, não é qualquer pianinho de brinquedo que pode reproduzir “Nesta rua tem um bosque”, nem “Pai Francisco entrou na roda”.

As letras das canções folclóricas retratam a cultura de um povo. São sempre dinâmicas e funcionais, cumprindo o papel de satisfazer as necessidades afetivas, intelectuais, morais, sociais ou de expressão religiosa. As crianças brincam com as canções e através delas entram no universo dos códigos sociais ― queiramos ou não!

A análise da cantiga “Atirei um Pau no Gato” é maldosa, pois omite a presença de um sentimento moral representado na figura de Dona Chica, que reprova com seu espanto; e pela ressalva mas o gato não morreu... Muito melhor sublimar pela canção do que realizar o ato concretamente. Além disso, tive a curiosidade de perguntar no hospital veterinário se baixava muito animalzinho maltratado por criança – gato , por exemplo. A resposta foi “não”, pelo contrário, muitas vezes são as crianças que mobilizam seus pais a tratarem bem os bichinhos.

Sim, estamos todos preocupados com a violência. Então, algumas escolas resolvem “imprimir” respeito ao meio ambiente e trocam a letra por não atire o pau no gato tô tô, porque ele-le-le é bonzinho-nho... Ou seja, para ensinar o respeito, desrespeitam a cultura infantil. Com certeza esses adultos não acreditam que os pequenos usufruem e produzem cultura como todos os seres humanos de todas as idades, em qualquer lugar do mundo. Há uma concepção de criança e de infância por aí, que anula a identidade das crianças, menosprezando seus medos e desprezando suas necessidades.

A criança precisa conviver com os elementos de sua cultura, a canção folclórica pode ser o grande meio de que dispõe para suportar certos fatos que vivencia. Seria muita ingenuidade modificar nossas canções para obter mudança na auto-estima dos brasileiros. Essa babá é um perigo, pessoa que pensa como ela não pode cuidar de criança, nem mesmo das crianças americanas.

Logo adiante, a babá critica outra canção brasileira. Desta vez é uma de influência francesa. Todos sabem que os franceses estiveram por aqui no século XVI e tentaram se fixar em vários pontos do país. Por sorte as crianças de outrora registraram esse fato em suas canções, marcando no folclore a memória da nossa resistência. Reparem a letra “de marré de ci”. Será que a babá ousaria dizer que os franceses têm baixa auto-estima?
Eu sou pobre, pobre, pobre,
De marré, marré, marré.
Eu sou pobre, pobre, pobre,
De marré de ci.

A criança projeta nos versos o cotidiano que vivencia, porque precisa compreender o mundo que a cerca. Não há sadismo no que faz, mas sim o exercício que lhe permite superar suas angústias. A criança é um ser inteligente, coloca a realidade tão vergonhosa da desigualdade social em versos – como critica a babá. O que passa despercebido nessa análise é que a canção também pode ser uma forma de protesto. Aliás, temos bons exemplos na história brasileira de canções utilizadas com esse propósito. Por que a babá não criticou a última frase: minhas filhas eu não dou, nem por ouro nem por prata, nem por sangue da lagarta? Pensando bem, o que se passava no período da invasão francesa que fazia com que as crianças cantassem “minhas filhas eu não dou”? Com um pouco de reflexão, a babá compreenderia que o Brasil nunca quis exportar suas filhas para terras distantes.

A referência feita ao bitu é um equívoco. Bitu não é uma pessoa, também não é o nome de criança; ninguém está ameaçando alguém com essa canção. Trata-se de uma entidade fantástica que há algum tempo atrás metia medo nas criancinhas. As crianças, em todos os países, imaginam monstros e fantasmas: em Portugal o bicho papão, na Espanha coca ou coco, no Brasil cuca, bitu, tutu marambá, bruxa e outros. As crianças dos Estados Unidos devem ter lá seus fantasmas também.

Nossa música folclórica, assim como as palavras da nossa língua, tem história e assimilação popular que lhes imprime significado. Enquanto a letra fala dos medos infantis, nós adultos oferecemos proteção e carinho na entonação característica das “cantigas de berço”, acalantos ou canções de ninar. A criança dorme tranqüila e crê que o canto afugenta o bicho papão! Os adultos também acreditam no poder mágico da música e cantam para afugentar maus espíritos, para esquecer ou lembrar de alguém. Somos seres simbólicos: música, linguagem e cultura nos separam de outros animais.

Na década de 70, cogitou-se proibir que cantássemos a canção “Marcha soldado”. Não por inspirar autoritarismo como sugere a babá, mas porque a letra fora interpretada como subversiva e antipatriótica: marcha soldado “cabeça de papel”. A idéia não vingou, felizmente!

Mas não é interessante? De um lado, a tese da babá é de que a canção “Marcha Soldado” é a destruição da liberdade, um autoritarismo disfarçado; de outro, o regime militar vê na mesma canção uma forma de protesto, uma provocação ao bem estar social e um desacato à autoridade. Uma canção servindo a dois senhores. Essa é demais!

Se ficarmos psicologizando tudo, não vamos criticar apenas as canções infantis, mas também os brinquedos de apertar que damos aos bebês, porque despertam instintos sádicos; a bola porque predispõe à violência; e a boneca porque impõe questões de gênero... não é mesmo?

Agora vejamos como nosso folclore permite a interação com valores afetivos e morais:
Sete e sete são catorze,
Com mais sete vinte e um
Tenho sete namorados
E só posso casar com um.

A tal babá lamenta que ouviu por toda a sua infância “tenho sete namorados”... quando o valor moral da canção encontra-se um pouquinho mais adiante “e só posso casar com um”. Foi uma análise parcial e tendenciosa. Provavelmente é por isso ela se questiona e grita: Desgraça! Desgraça! Como crescer e acreditar no amor e no casamento depois de ouvir essa passagem anos a fio?

Olha, nem vou defender Samba lelê, porque o mundo inteiro admira nossa música e quer saber como conseguimos “quebrar” o corpo para fazer o molejo do samba. É um jeito muito nosso, os estrangeiros não aprendem, nem com 18 lambas!

A letra da canção Cai, cai balão fala de um desejo infantil “cai aqui na minha mão”. Sem maldade, a menina quer pegar o balão, assim como também pensa que pode pegar o avião que está lá no céu. “Suicida?” Suicidas são os pensamentos depressivos dessa babá, que condena e quer aniquilar o nosso folclore.

Atacar o folclore é covardia! Não podemos fazer de conta que não temos história. Fazer-nos sentir vergonha da nossa história ― isso sim é crueldade!
Valorizar o que é nosso faz um bem enorme para auto-estima das crianças, porque possibilita a construção de sua identidade cultural. Ridicularizar o folclore, os costumes e as crenças de um pais é a estratégia ardilosa de quem deseja impor suas ideologias e suas supostas verdades. Será que a babá virou para o lado de lá?

Leia também:
Tonin, Juliana O imaginário infantil na publicidade contemporânea: a campanha da RBS "O amor é a melhor herança, cuide bem da criança" [CD-ROM]. Porto Alegre, 2004. Diss. (Mestrado em Comunicação Social) - PUCRS, Fac. de Comunicação Social
Disponível em: <http://verum.pucrs.br/ppgcom>

Leda Maffioletti ― Porto Alegre RS Brasil ―