quinta-feira, 21 de maio de 2009

PAISAGENS POLIFÔNICAS DA MÚSICA NA ESCOLA

Fig. Beethoven por Kandinsky

Paisagens polifônicas da Música na escola:
saberes e práticas docentes
Maria Teresa de Beaum
Universidade Federal de Uberlândia


por Rebeca Cunha e Juliana Bueno.


O objetivo da análise foi entender a metodologia “História Oral” utilizada pela autora e relacionar o tema de sua dissertação com o artigo de Maurice Tardif

TARDIF, M. et al. Os professores face ao saber docente. Esboço de uma problemática do saber docente. Teoria & Educação. São Paulo, vol.4, p. 215-233, 1991.

A dissertação toma por partida a experiência profissional da autora atuando como professora de música no projeto desenvolvido em MG com o objetivo de promover um curso de formação musical para professoras. Este teve por nome: Projeto Música na Escola, promovido pela Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais em 1998. Essa experiência suscitou questionamentos a respeito do ensino de música e, para isso, foi analisado o impacto do projeto nos professores, escolas e alunos.

O Tipo de Pesquisa utilizado enquadra-se na abordagem qualitativa de pesquisa e a metodologia teve como suporte a história oral temática, que pertence á modalidade de investigação narrativa
Para a metodologia, a autora baseou-se nos autores:

BOM MEIHY, José Carlos Sebe. Manual de História Oral. 2ed. São Paulo: Loyola. 1998.
FONSECA, Selva Guimarães. Ser professor no Brasil: história oral de vida. Campinas: Papirus, 1997.

Sendo assim, História Oral tem por conceito uma modalidade de pesquisa usada para elaboração de documentos, arquivamento e estudos referente à vida social de pessoas. Ela é sempre uma história do tempo presente e reconhecida como história viva. São conhecidas três tendências da história oral: a história oral de vida, a história oral temática; e a tradição oral. Neste caso, a autora escolheu a história oral temática, porque está focalizada em um objeto específico, o ensino de Música.

“A história oral temática privilegia a coleta
de depoimentos e entrevistas orais que esclarecem
determinadas temáticas” (FONSECA, 1997, p.36).

São características da História Oral:

* O compromisso com o esclarecimento ou opinião do entrevistador sobre algum evento definido.
* Diferente da História oral de vida. Detalhes da história pessoal do narrador interessam apenas na medida em que revelam aspectos úteis à informação temática central.
* No caso de entrevistas temáticas, recomenda-se uma prudente brevidade, posto que se objetiva algo específico.

Agregamos outras leituras ao estudo, para entender mais sobre a História oral. Tais leituras teve como base os seguintes autores:

ALBERTI, Verena. Manual de História Oral. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.
CAMARGO, A. Quinze anos de história oral: documentação e metodologia. In: Alberti, Verena. Apresentação da Primeira Edição. Manual de História Oral. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2004.
OLIVEIRA, Valeska Fortes. Diálogos entre história oral e educação: memória, conhecimento e identidades. In: XII ENDIPE – Encontro Nacional d Didática e Prática de Ensino, 2004, Curitiba. Conhecimento Local e Conhecimento Universal. Curitiba: PUC/PR.
NÓVOA, António. Os professores e a história da sua vida. In: Nóvoa, António (org.). Vidas de Professores. 2ª ed. Porto: Porto Editora, 1995.

Percebemos que a História Oral é método de investigação científica como fonte de pesquisa ou ainda como técnica de produção e tratamento de depoimentos gravados. Valoriza as recordações de indivíduos e tem por método de recolhimento de informações entrevistas com pessoas que vivenciaram algum fato ocorrido.
* Ela permite o diálogo entre diversas áreas no campo das ciências humanas, constituindo um esforço interdisciplinar (Camargo, 1989) de investigação.
* É um lugar de encontro de várias disciplinas” (Pereira, 2000) – Um diálogo entre história, sociologia, antropologia e educação, entre outras.

CRÍTICAS:

Há possibilidade de falha de memória do entrevistado, possibilidade de criação de uma trajetória artificial, fantasiar, omitir ou mesmo mentir.

Neste caso, mesmo diante dessa "não confiabilidade da memória", acreditamos que é possível estabelecer uma metodologia bem estruturada para a produção de dados a partir dos relatos orais. O entrevistador não deixa de produzir uma versão do que entendeu ter acontecido. Mesmo quando o pesquisador tem certeza de que o entrevistado esteja mentido conscientemente, cabe a ele, entrevistador, tentar entender as razões da "mentira", ou seja, quais os motivos que estão levando a pessoa a mentir, podendo ser aplicado o mesmo no caso da ilusão biográfica, quando o indivíduo faz uma produção artificial de si mesmo. No caso de esquecimento, para ajudar suprir essa falha, podem-se usar os chamados "apoios de memória", como fotografias, objetos e outras coisas que possam ajudar o entrevistado a se recordar melhor dos fatos em pesquisa.

Acontece uma seleção e qualificação dos acontecimentos, impressões e vivências relatadas.

Contudo, cabe ao pesquisador a atenção e critérios para não cair na tentação de condução da entrevista para uma narrativa que confirme as hipóteses ou objetivos da pesquisa. O confronto dos relatos com os estudos desenvolvidos sobre o contexto social no qual está inserida a narrativa desenvolvida pelo entrevistado, é condição/critério indispensável para o desenvolvimento da análise dos depoimentos coletados nas entrevistas.

As perguntas da entrevista e as narrativas desenvolvidas pelo entrevistado estão imbuídas da lógica cultural de seu tempo.

É preciso pensar nas entrevistas como fontes para se chegar a pistas que levem a análise e compreensão do tema/objeto estudado, como sinaliza Silveira (2002), é pensar na busca de regularidades e não de verdades. Silveira (2002) indica a busca de perspectiva de coerência das falas dos entrevistados. Numa rede de coerência, apreende-se traços recorrentes que caracterizem melhor o objeto/tema de pesquisa.

Compreendendo mais a respeito do tipo de pesquisa História Oral, abordamos sobre a linha de pesquisa da dissertação: Formação de Professores, trazendo o diálogo sobre a valorização do saber docente.
Claramente percebemos que a história oral prioriza o trabalho de dar voz àqueles que não têm espaço na sociedade, os excluídos, marginalizados. Valoriza os professores que têm falas, não são silenciosos de fato. Ao falar sobre suas práticas pedagógicas, os professores podem indicar pistas para a compreensão e análise de seus saberes, como os mobilizam, como são constituídos, qual a relação dos saberes. Sendo assim, o professor está como objeto central da investigação.

Durante a pesquisa a autora realizou entrevistas com os professores de educação infantil, anos iniciais e de musicalização. Não discriminou o conhecimento musical de cada um, considerando-os relevantes, segundo suas peculiaridades, conforme sua história de vida.
Trouxe questões a serem pensadas pelos professores tais como:

Quem é responsável pelo ensino de música?
Como está sendo visto o projeto “Música na escola” pelos professores?
A música pode ser trabalhada interdisciplinarmente?
Quais os limites e possibilidades?

Essa valorização à fala dos professores vem sendo respaldada por Tardif, autor do artigo a ser relacionado. Tardif (2000), pensa que se os pesquisadores universitários querem estudar os saberes profissionais da área do ensino, devem sair de seus laboratórios, sair de seus gabinetes na universidade, largar seus computadores, largar seus livros e os livros escritos por seus colegas que definem a natureza do ensino, os grandes valores educativos ou as leis da aprendizagem, e ir diretamente aos lugares onde os profissionais do ensino trabalham, para ver como eles pensam e falam, como trabalham na sala de aula, como transformam programas escolares para torná-los efetivos, como interagem com os pais dos alunos e com seus colegas.

Os “Saberes da Experiência” é um conhecimento docente destacado por Tardif e consideramos prontamente valorizado pela autora em sua dissertação.

“[...] são saberes específicos, fundados em seu trabalho cotidiano e no conhecimento de seu meio. Esses saberes brotam da experiência e são por ela validados. Eles incorporam-se vivência individual e coletiva sob a forma de habitus e de habilidades, de saber fazer e de saber ser.” (Tardif, 1991, p.220)

Esses saberes têm grande valor, já que acontece numa rede de interações com pessoas onde o elemento determinante é o ser humano. São mediados por diferentes discursos, comportamentos e maneiras de ser, características complexas do ser humano e, por fim, não é passível de definições acabadas.

A dissertação finda com a satisfação da autora
de ter considerado e valorizado os saberes dos professores


A dissertação finda com a satisfação da autora de ter considerado e valorizado os saberes dos professores e ainda por ter aberto caminhos para que outras pesquisas possam partir e dar continuidade ao tema tão relevante. Ela não finda as possibilidades desse estudo, mas espera que as paisagens construídas surjam em outros cenários, com outras/os professoras/es e pesquisadoras/es, para que acrescentem, também, os seus olhares e os seus tons, num processo contínuo de “chegar e partir”.
BEAUMONT, Maria Teresa de. Paisagens polifônicas da Música na escola:saberes e práticas docentes. Universidade Federal de Uberlândia. Programa de Pós-graduação em Educação, Uberlândia

Canções Folclóricas Infantis

Estimados colegas

Tem circulado por todo o país a carta de uma babá brasileira, que estuda nos Estados Unidos, criticando as canções infantis do nosso folclore. Inicialmente não dei importância, mas como já recebi pelo menos quatro, resolvi escrever o que penso a respeito. Para compreender o teor da minha resposta, se você não leu a tal carta, por favor, leia! Clic

A babá (anônima) faz conclusões apressadas sobre a situação brasileira. Não sabe o que é folclore, nem compreende a complexidade dos fatos que compõem as sociedades. Seus argumentos são diretos e simples, do tipo causa e efeito e pretendem explicar a natureza do self do povo brasileiro.

“Descobri toda a origem dos problemas do Brasil” – diz ela. Segundo suas observações sobre as canções de ninar dos Estados Unidos, não haveria por lá sentimento algum que não fosse a bondade, doçura e paz. Quanta ingenuidade!

Contrapondo com a nossa “Boi da cara preta”, cita na carta o exemplo de uma canção americana:
“Boa noite, linda menina, durma bem.
Sonhos doces venham para você,
Sonhos doces por toda noite”.

Observem! Eu também posso pensar mal dessa canção americana, dizendo que ela é egoísta e que os “doces sonhos” instigam os americanos ao poder sem limites; que a letra trabalha o inconsciente da criança fazendo com que ela se outorgue o direito de impor doces sonhos a todas as crianças do planeta. Um perigo para a paz mundial!

O que é bom aos nossos olhos, pode não ser um valor para os outros. Os jornais estão cheios de notícias sobre a imposição unilateral de valores.

A babá estudante assimilou a nova pátria desdenhando nossas raízes. E sente vergonha do bovino de cara negra que poderá assustar a cândida menina que tem medo até de careta? Que distorção! A “cândida menina” que tem medo de careta é a nossa menina brasileira, a letra refere-se ao nosso folclore. A menina americana tem outros medos e, com certeza, muito próximo de suas vivências e traumas sociais. Quem dera fosse medo da cuca!

As melodias do nosso folclore infantil são belíssimas! Poucos países possuem uma extensão tão ampla de notas e uma progressão harmônica tão rica. Com contornos melódicos tão rebuscados, não é qualquer pianinho de brinquedo que pode reproduzir “Nesta rua tem um bosque”, nem “Pai Francisco entrou na roda”.

As letras das canções folclóricas retratam a cultura de um povo. São sempre dinâmicas e funcionais, cumprindo o papel de satisfazer as necessidades afetivas, intelectuais, morais, sociais ou de expressão religiosa. As crianças brincam com as canções e através delas entram no universo dos códigos sociais ― queiramos ou não!

A análise da cantiga “Atirei um Pau no Gato” é maldosa, pois omite a presença de um sentimento moral representado na figura de Dona Chica, que reprova com seu espanto; e pela ressalva mas o gato não morreu... Muito melhor sublimar pela canção do que realizar o ato concretamente. Além disso, tive a curiosidade de perguntar no hospital veterinário se baixava muito animalzinho maltratado por criança – gato , por exemplo. A resposta foi “não”, pelo contrário, muitas vezes são as crianças que mobilizam seus pais a tratarem bem os bichinhos.

Sim, estamos todos preocupados com a violência. Então, algumas escolas resolvem “imprimir” respeito ao meio ambiente e trocam a letra por não atire o pau no gato tô tô, porque ele-le-le é bonzinho-nho... Ou seja, para ensinar o respeito, desrespeitam a cultura infantil. Com certeza esses adultos não acreditam que os pequenos usufruem e produzem cultura como todos os seres humanos de todas as idades, em qualquer lugar do mundo. Há uma concepção de criança e de infância por aí, que anula a identidade das crianças, menosprezando seus medos e desprezando suas necessidades.

A criança precisa conviver com os elementos de sua cultura, a canção folclórica pode ser o grande meio de que dispõe para suportar certos fatos que vivencia. Seria muita ingenuidade modificar nossas canções para obter mudança na auto-estima dos brasileiros. Essa babá é um perigo, pessoa que pensa como ela não pode cuidar de criança, nem mesmo das crianças americanas.

Logo adiante, a babá critica outra canção brasileira. Desta vez é uma de influência francesa. Todos sabem que os franceses estiveram por aqui no século XVI e tentaram se fixar em vários pontos do país. Por sorte as crianças de outrora registraram esse fato em suas canções, marcando no folclore a memória da nossa resistência. Reparem a letra “de marré de ci”. Será que a babá ousaria dizer que os franceses têm baixa auto-estima?
Eu sou pobre, pobre, pobre,
De marré, marré, marré.
Eu sou pobre, pobre, pobre,
De marré de ci.

A criança projeta nos versos o cotidiano que vivencia, porque precisa compreender o mundo que a cerca. Não há sadismo no que faz, mas sim o exercício que lhe permite superar suas angústias. A criança é um ser inteligente, coloca a realidade tão vergonhosa da desigualdade social em versos – como critica a babá. O que passa despercebido nessa análise é que a canção também pode ser uma forma de protesto. Aliás, temos bons exemplos na história brasileira de canções utilizadas com esse propósito. Por que a babá não criticou a última frase: minhas filhas eu não dou, nem por ouro nem por prata, nem por sangue da lagarta? Pensando bem, o que se passava no período da invasão francesa que fazia com que as crianças cantassem “minhas filhas eu não dou”? Com um pouco de reflexão, a babá compreenderia que o Brasil nunca quis exportar suas filhas para terras distantes.

A referência feita ao bitu é um equívoco. Bitu não é uma pessoa, também não é o nome de criança; ninguém está ameaçando alguém com essa canção. Trata-se de uma entidade fantástica que há algum tempo atrás metia medo nas criancinhas. As crianças, em todos os países, imaginam monstros e fantasmas: em Portugal o bicho papão, na Espanha coca ou coco, no Brasil cuca, bitu, tutu marambá, bruxa e outros. As crianças dos Estados Unidos devem ter lá seus fantasmas também.

Nossa música folclórica, assim como as palavras da nossa língua, tem história e assimilação popular que lhes imprime significado. Enquanto a letra fala dos medos infantis, nós adultos oferecemos proteção e carinho na entonação característica das “cantigas de berço”, acalantos ou canções de ninar. A criança dorme tranqüila e crê que o canto afugenta o bicho papão! Os adultos também acreditam no poder mágico da música e cantam para afugentar maus espíritos, para esquecer ou lembrar de alguém. Somos seres simbólicos: música, linguagem e cultura nos separam de outros animais.

Na década de 70, cogitou-se proibir que cantássemos a canção “Marcha soldado”. Não por inspirar autoritarismo como sugere a babá, mas porque a letra fora interpretada como subversiva e antipatriótica: marcha soldado “cabeça de papel”. A idéia não vingou, felizmente!

Mas não é interessante? De um lado, a tese da babá é de que a canção “Marcha Soldado” é a destruição da liberdade, um autoritarismo disfarçado; de outro, o regime militar vê na mesma canção uma forma de protesto, uma provocação ao bem estar social e um desacato à autoridade. Uma canção servindo a dois senhores. Essa é demais!

Se ficarmos psicologizando tudo, não vamos criticar apenas as canções infantis, mas também os brinquedos de apertar que damos aos bebês, porque despertam instintos sádicos; a bola porque predispõe à violência; e a boneca porque impõe questões de gênero... não é mesmo?

Agora vejamos como nosso folclore permite a interação com valores afetivos e morais:
Sete e sete são catorze,
Com mais sete vinte e um
Tenho sete namorados
E só posso casar com um.

A tal babá lamenta que ouviu por toda a sua infância “tenho sete namorados”... quando o valor moral da canção encontra-se um pouquinho mais adiante “e só posso casar com um”. Foi uma análise parcial e tendenciosa. Provavelmente é por isso ela se questiona e grita: Desgraça! Desgraça! Como crescer e acreditar no amor e no casamento depois de ouvir essa passagem anos a fio?

Olha, nem vou defender Samba lelê, porque o mundo inteiro admira nossa música e quer saber como conseguimos “quebrar” o corpo para fazer o molejo do samba. É um jeito muito nosso, os estrangeiros não aprendem, nem com 18 lambas!

A letra da canção Cai, cai balão fala de um desejo infantil “cai aqui na minha mão”. Sem maldade, a menina quer pegar o balão, assim como também pensa que pode pegar o avião que está lá no céu. “Suicida?” Suicidas são os pensamentos depressivos dessa babá, que condena e quer aniquilar o nosso folclore.

Atacar o folclore é covardia! Não podemos fazer de conta que não temos história. Fazer-nos sentir vergonha da nossa história ― isso sim é crueldade!
Valorizar o que é nosso faz um bem enorme para auto-estima das crianças, porque possibilita a construção de sua identidade cultural. Ridicularizar o folclore, os costumes e as crenças de um pais é a estratégia ardilosa de quem deseja impor suas ideologias e suas supostas verdades. Será que a babá virou para o lado de lá?

Leia também:
Tonin, Juliana O imaginário infantil na publicidade contemporânea: a campanha da RBS "O amor é a melhor herança, cuide bem da criança" [CD-ROM]. Porto Alegre, 2004. Diss. (Mestrado em Comunicação Social) - PUCRS, Fac. de Comunicação Social
Disponível em: <http://verum.pucrs.br/ppgcom>

Leda Maffioletti ― Porto Alegre RS Brasil ―